2014-10-23

Tchau, amor



Talvez eu assuma meu blefe
Talvez eu rasgue o baralho
Pare com a bebida
Perdoe minha tristeza
E caia na chuva
Pegue aquela curva
Que vai dar sabe-se onde

Talvez eu te telefone
No meio da noite
E gagueje clichês
E volte a sofrer

Talvez eu volte pros setenta
Pros chás, ervas e fungos
Talvez eu aprenda clarinete
Talvez eu caia fora

Pruma noitada de jazz sem volta
Talvez eu quebre todos os meus discos de blues

E rasgue toneladas de livros malditos (pouco provável)
Talvez eu passe a frequentar festas chatas

E sorria simpático
Pra amebas em trajes da moda Talvez eu assalte um banco

E vá viver no México
Talvez eu me candidate a vereador (Não, isso nunca!)

Talvez eu faça uma merda
Maior que as anteriores
E vá parar na cadeia, num hospício
Numa igreja

Talvez Jesus toque meu coração
Como eles dizem por aí

Talvez eu siga por toda a eternidade
Sempre trocando
Uma fuga por outra
Um vício por outro
Um copo por outro

Talvez eu encha a cara e escreva
Mais um romance
Ou mergulhe noutra noia qualquer
Talvez eu volte
Aos trash-metal oitentistas
Destilados baratos
E comprimidos de anfetamina

Talvez essa noite
Me lembre
Duma antiga oração infantil
Sobre anjos e sonhos bons

Talvez eu quisesse acreditar
Na merda toda

Talvez eu continue
Como o cacto no vasinho
Em cima da geladeira

Talvez (é bem provável)
Eu só esqueça o AMOR.

Kleber Felix - livro "Num Da Pra Apagar os Riscos Dum Disco Furado"