2008-12-29

K.G Chesterton

Eu estou aqui tentando descrever certas grandiosas
emoções que não podem ser descritas. E a mais forte
emoção era que a vida era tão preciosa quão
enigmática. Era um êxtase, porque era uma aventura;
era uma aventura, porque era uma oportunidade.
A bondade dos contos de fadas não era afetada pelo
fato de que pudesse haver mais dragões do que princesas;
o que era bom era estar num conto de fadas. O teste de
toda a felicidade é a gratidão; e eu me sinto grato, embora
tenha certa dificuldade em saber a quem.


(...)


Havia então esses dois sentimentos primeiros, ambos
indefensáveis e indiscutíveis. O mundo era um espanto,
mas não era meramente espantoso; a existência era uma
surpresa, mas uma agradável surpresa. De fato, todas as
minhas opiniões primeiras eram expressas na forma de um
enigma que me martelava o cérebro desde a meninice. A pergunta era:
“Que disse a primeira rã?” E a resposta: “Senhor, como me
fizeste saltar!” Isto sucintamente diz tudo o que venho dizendo.
Deus fez a rã saltar; e a rã prefere saltar. Mas, uma vez que essas
coisas estão postas, entra em cena o segundo grande princípio da
filosofia das fadas.




Qualquer pessoa pode conhecer esse princípio; basta abrir e ler
os Contos de Fadas de Grimm, ou as belas coleções de Andrew Lang.
Pelo prazer do pedantismo, eu o chamarei Doutrina da Alegria
Condicional. Touchstone falou da muita virtude que há num “se”;
de acordo com a ética dos elfos, toda a virtude está num “se”.
A característica da linguagem das fadas é sempre esta:
“Tu poderás viver num palácio de ouro e safiras, se não
pronunciares a palavra ‘vaca’.” Ou: “Poderás viver feliz com
a filha do Rei, se não lhe mostrares uma cebola.” A promessa
subordina-se sempre a um veto. Todas as vertiginosas e
colossais coisas concedidas dependem de uma pequena
coisa recusada. Todas as fantásticas e assombrosas coisas
que nos são ofertadas dependem de uma coisa que nos é
proibida.



(...)



Num conto de fadas há uma incompreensível felicidade que
depende de uma incompreensível condição. Uma caixa é aberta,
e todos os males saem voando. Uma palavra é esquecida,
e cidades desaparecem. Uma lâmpada é acesa, e o amor voa
para longe. Uma flor é arrancada, e vidas humanas perecem.
Uma maçã é comida, e esvai-se a esperança em Deus.



(...)



Todas as princesas podem viver em casas de vidro,
desde que não atirem pedras. Esse leve resplendor
de vidro por toda a parte é a expressão do fato de que
a felicidade é radiante mas frágil, como essa substância
tão facilmente estraçalhada por uma criada ou por um
gato. E esse sentimento característico dos contos de fadas calou
fundo em mim e tornou-se o meu sentimento em relação ao mundo.
Eu sentia e sinto que a própria vida é brilhante como o diamante, e
quebradiça como uma vidraça; e, quando o céu era comparado a um
terrível cristal, posso lembrar-me de um sobressalto. Eu tinha medo
de que Deus derrubasse o cosmo com um estrondo.





Lembremo-nos porém de que ser quebrável não é o
mesmo que ser perecível. Golpeie um vidro, e ele não
durará um instante; não o toques simplesmente, e durará mil anos.
Assim era, parecia-me, a alegria humana, tanto no país das fadas
quanto na terra; a felicidade dependia de NÃO FAZER
ALGUMA COISA que em qualquer momento poderia ser
feita, e muitas vezes não era óbvio por que ela não deveria
ser feita. Ora, o ponto aqui é que para MIM isto não soava
injusto. Se o terceiro filho do moleiro dissesse à fada: “Explica-me
por que eu não posso ficar de cabeça para baixo no palácio encantado”,
ela poderia muito bem responder: “Bem, se vamos a isso, explica-me tu
o palácio encantado.” Se Cinderela diz: “Como se justifica que eu
tenha de sair do baile à meia-noite?”, a sua madrinha
poderá responder: “Como se justifica que possas estar la
ate meia noite?"Se eu deixo a um homem em testamento dez elefantes
falantes e cem cavalos alados, ele não poderá queixar-se caso as condições
participem da delicada excentricidade do presente. A um cavalo alado não
se olham os dentes. E parecia-me que a existência era em si mesma
um legado demasiado excêntrico para que eu me queixasse de
não compreender os limites da visão, quando afinal de contas não
compreendia a visão que eles limitavam. A moldura não era menos
estranha que o quadro. O veto podia ser tão fantástico quanto a visão; podia
ser tão surpreendente quanto o sol, tão esquivo quanto as águas, tão fantástico
e terrível quanto as mais altas árvores.



(...)



Pois o universo é uma jóia única, e, embora seja natural falar que
uma jóia é incomparável e inestimável, em relação a essa jóia isto
é literalmente verdadeiro. Este cosmo efetivamente não tem
comparação nem preço, pois não pode haver outro igual.





Em A Ética do País das Fadas.